terça-feira, 13 de março de 2012

BEIRA DE RIO...



A história se passa aí pela década de 60, no interior rio-grandense, lá pras bandas de Rio Pardo, no tempo em que as lavadeiras batiam as roupas nas pedras do rio. Então, já faz tempo, mas na memória, já meio turva, de quem conta esta história, parece até que foi ontem.
Os dois corriam pelas margens do rio. Ela, de vestidinho de chita e trancinhas nos ombros. Ele, de calçãozinho rasgado e desgrenhados cabelos. Pés descalços e calejados, ele chutava a rasa água da beira com seus finos cambitos. Uma infância tão pura, tão cristalina, quanto o rio que lá descia…
Mal acordavam, se procuravam. Vizinhos na pacata vila diziam que pareciam imantados. Amigos tinham às pencas, mas preferiam andar de parzinho e, volta e meia, estavam embolados, subindo em árvores, comendo pitangas, jogando bolinhas…
Foram crescendo e mais inseparáveis ficavam. Os pais adoravam e os vizinhos também. Impossível que não nascesse dali o amor verdadeiro, puro, brotado das pedras do rio.
O primeiro carinho na pitangueira, o primeiro abraço na goiabeira, o primeiro beijo no portão…
Até chegarem às caricias maduras de homem e mulher, da primeira vez para ambos, saindo das fraldas da adolescência. Amaram-se invernos e verões…
Até que numa manhã de outono em que o minuano castigava a pele do povo, eles sentiram que o amor não era só alegria…
O velho caminhão carregava os móveis de sua casa, de sua família. Há muito estavam vencidos e precisavam mudar. Ela ficava, ele ia…
Ficaram eles abraçados junto à boléia, um dizendo que ia esperar, outro dizendo que ia voltar…
Sem saber, ela guardava um segredo…
A vida passou, ano após ano e se passaram uma dúzia e meia de anos.
Dele sabemos. Dera a volta por cima da vida. Formou-se com sacrifício, casou, separou, ficara sozinho. Ascendeu na profissão e tinha vida abastada, de hábitos finos, de roupa alinhada. Entretanto, havia um quê no seu ritmo que não lhe permitia aceitar plenamente o concreto da grande cidade.  
Um dia, ao chegar de ressaca quando o sol recém aparecia, cansou de tudo, da grande cidade, das luzes, das pessoas e dos perfumes...
Mal amanhece no outro dia, de malas prontas. Destino tinha, só não sabia o que ia encontrar. Tantos anos…
Caminhando na beira do rio, revendo pitangas e pitangueiras, na pacata vila que tinha parado no tempo.
Eis que ela surge no portão de madeira da mesma casinha simplória. Mas era impossível, ela não envelhecera, a mesma aparência de outrora, o mesmo sorriso de jeito infantil…
Ele estacou junto à goiabeira. Não se movia. E ela, curiosa, ficara lhe olhando com os mesmos olhos que ele muito bem conhecia…
Devagar, ela fala. Ele, boquiaberto e em silêncio, ouve-a dizer que há muito tempo está lhe esperando. Sua mãe prometera, não sabia quando, que um dia o pai vinha…
Ele, em prantos, ajoelha-se e agarra-se ao corpo da filha, que lhe acaricia os cabelos como se estivesse lhe dando o perdão…
Na porta entreaberta da casa, com um singelo sorriso, a mãe tudo via…

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