Esta história, passada em 95, teve como palco a saudoso Urso Branco, o pequeno e aconchegante barzinho do Seu Arthur que existia na Rua Pinto Bandeira, no centro de Porto Alegre. Ali, sempre faltava mesa depois que fechava o comércio, pois era o ponto em que os gerentes bebiam uma que outra antes de rumarem pra casa. Naquela noite, a história do Maciel, que era analista de crédito, tomou conta de toda a conversa...
Uns dias antes, Maciel jamais teria imaginado realizar aquela proeza. Quase amanhecer no Madrigal, a lendária casa noturna da Rua Santo Antonio, era realmente um sonho impensável para a maioria dos sujeitos que tem compromisso amoroso. E o Maciel sempre foi de levar muito a sério este negócio de não chegar tarde em casa e poucas vezes aceitava o convite da turma para uma rodada no bar.
Lucinha sempre foi ciumenta, bonitinha, complicada e perfeitinha. E se ela não saía com as amigas, não sairia também o Maciel. Todo o mundo sabia que a Lucinha era quem dava as cartas na casa, administrativa e financeiramente, e diziam que o Maciel, no fim do mês, entregava todo o salário pra ela, pois sabia que ela sabia fazer muito com pouco. E, na realidade, fazia.
O casal estava junto há cinco anos e tinham dois filhos. Antes das crianças, só o Maciel trabalhava e a Lucinha, de pouco estudo, cuidava da casa. Depois que o orçamento pesou, coincidiu no Brasil o surgimento dos Bingos e foi lá que a Lucinha foi trabalhar pra ajudar nas despesas. A partir daí, o Maciel e a Lucinha ficaram naquela de “um chegava e o outro saía”, pois a Lucinha só conseguiu vaga no turno da noite no Mega-Bingo da Rua da Praia. Lucinha chegava as seis da matina e o Maciel nesta hora ainda estava dormindo. O Maciel, como bom analista, até que ficou relutante e não queria aprovar aquele negócio, mas a necessidade de pagar aluguel, a creche dos filhos e etcétera, era a maior avalista.
E, de fato, um ano e meio depois, as finanças se equilibraram e, além de conseguirem pagar todas as contas, ainda sobrava uma poupancinha no banco, o que era ótimo para a felicidade do lar. Lucinha, com o setor financeiro mais frouxo, e em função do horário do seu trabalho, não pegava mais ônibus. Compraram um carrinho que, às vezes, o Maciel usava de dia e a Lucinha sempre pegava de noite. Lucinha, mais tarde promovida a chefe de turma, e já ganhando mais que o marido, se deu ao luxo ainda de fazer, em prestações, uma lipo e botar silicone nos seios. Além do mais, andava bem mais arrumadinha que antes. Afinal, para o Maciel, nada demais que ela valorizasse a vaidade, pois trabalhava que nem condenada.
Alerta Importante:
Aqui cabe um comentário, um tanto machista, a respeito das mudanças que ocorrem nas fêmeas, principalmente as casadas, quando elas, pela primeira vez, saem de casa e ganham o mercado de trabalho. A primeira coisa que acontece de fato, e comprovado por estudiosos, é que a mulher se dá conta, saindo da rotina do lar, que a liberdade existe e que outros homens a olharão com mais gula do que o marido. O assédio será inevitável e elas gostarão, mesmo fazendo mumunhas, da novidade, pois, afinal, sua vaidade ganhará um novo vigor. Reparem que toda mulher, nestes casos, começa a ficar diferente em muitos aspectos, seja no cabelo, na maquiagem, na vestimenta, enfim, o visual que era simples só pro marido em casa, ganha um upgrade para os outros na rua.
E como diz a ciência que estuda os indícios de que algo paira no ar, toda e qualquer repentina mudança no visual de uma mulher terá sempre como elemento desencadeador o mundo lá fora. Para um marido, depois de cinco anos de casamento, nenhuma mulher tem motivos para se revelar diferente.
Então nobres cavalheiros, atentem para os primeiros sinais de que algo começa a crescer sobre vossas cabeças.
Bom, voltando à história, o importante é que tudo ia bem, bem demais até pra falar a verdade.
Só que outra verdade apareceu pro Maciel. Um amigo da loja em que trabalhava lhe confidenciou algo no mais absoluto segredo. Disse o sujeito que numa das suas saidinhas na noite de Porto Alegre, deu de cara com a Lucinha, em plenas três da madrugada, fazendo strip-tease na boate Madrigal da Rua Santo Antonio. Maciel, pasmo, engasgou e simplesmente desacreditou daquela informação absurda, mas depois que o amigo contou que ela tinha um pequeno anjinho tatuado na virilha direita, o Maciel começou a chorar no ombro do delator.
Naquele sábado, o Maciel contou os minutos para que terminasse o dia. “A casa caiu”, pensava ele com um profundo arrependimento de ter ajudado na queda, pois não devia, de forma alguma, ter soltado a Lucinha. Afinal, ele viu, e estava gostando, que ela se transformara num mulherão. E a coisa estava acontecendo debaixo do seu nariz, pensava ele, e o pior, sabe-se lá se o segredo que lhe contaram já não estava por aí aos quatro cantos do mundo.
Era carnaval, já sabemos. O que não sabíamos é que o Maciel foi para o Madrigal, mas não assim de cara lavada como estamos pensando. Maciel, naquela tarde, passou nas lojinhas da Rua Pinto Bandeira que vendem de tudo e comprou uma máscara veneziana e seria com ela que, mascarado, iria ser o voyeur do strip-tease da própria mulher. Queria dar o flagrante, queria chamá-la de vagabunda, queria, na verdade, cuspir naquela devassa.
Informou-se sobre a hora e soube que as duas e meia ela se apresentava. Enquanto isto, imperceptível num canto da casa, Maciel enchia a cara e não quis companhia. Súbito, as marchinhas de Carnaval silenciaram ao rufar de tambores e em meio à fumaça de gelo seco, anunciaram aquela estonteante Lucinha, a gata que derretia corações masculinos. E ela irrompe, lasciva e dançante como uma serpente se enroscando num véu. Lucinha, peça por peça, fica nua para uma delirante plateia.
Maciel, completamente paralisado e com a baba correndo do canto da boca, se apaixona, de forma avassaladora, subitamente pelo corpo e pelas curvas da sua própria mulher. Esquece ele do ódio e deixa que uma vertigem incontrolável o arrebate. Sente um irresistível orgulho por ver tantos homens a desejando e também ele não consegue reprimir a vontade de possuí-la.
Mas se enganavam aqueles canibais idiotas que morreriam pelo prazer de ter aquela mulher, pois a maravilhosa Lucinha era dele, tinha dono e endereço, isto sim era fato. Maciel, assim como entrou, incógnito saiu e Lucinha nunca soube que ele foi lá.
Depois daquela noite, sempre que a Lucinha chegava, o Maciel estava sempre acordado e não houve jamais, a partir dali, uma alvorada em que não houvesse no quarto de casal daquele doce lar, a cama intensamente molhada de sexo.
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