Eles provavelmente discutiram, após um período de estudo interno daquela empresa, qual a avaliação que passariam ao empresário. Eram novos no mercado e havia uma grande responsabilidade sobre seus ombros, pois tinham sido contratados para mudar a cara e o coração do cliente. Certamente o “boss”, quando questionado pelo nerd da criação, respondeu:
- Antes de dizermos a verdade, vamos sondar a reação dele quanto a ela. Se pressentirmos que não goste, nós vamos dizer todas as mentiras que ele quer ouvir e, mais, vamos lutar para que elas sejam bem semelhantes a uma verdade.
Se essa desconfiança procedesse, ficaria evidente que havia uma grande possibilidade da construção de estratégias sobre pilares inexistentes, isto é, algo que não teria nem tona e nem fundo, como diria o Garrincha. Quando o marketing se transforma numa salada, sem alho e sem bugalho, a ética bate na porta e o cara não abre porque pensa que é o frio das casas Pernambucanas.
Há um modismo escancarado nos dias de hoje: as empresas ou são sociais ou apóiam o meio ambiente. Estas duas razões viraram uma vertente de faturamento e, é claro, todo mundo quer ser uma coisa ou outra. As duas, até pra mentir, fica bem mais difícil. A realidade é que poucas conseguem ser algo concreto neste quesito.
Pois, na opinião do Macedo, após ter participado da reunião durante aquelas duas horas, não restava mais dúvida. Os caras da agência vieram com duas caras e não sei quantas medidas, uma verdadeira que poderia resolver o problema e outra que só faria com que aquele cliente jogasse o dinheiro no ralo. O interessante é que desde o principio, já se sabia que o empresário queria viver de ilusão.
Verdades, na maioria das vezes, custam mais caro e principalmente para quem as diz. Partindo deste principio, não se esperaria outra coisa daquele pessoal, pois, afinal, também eles filhos de Deus, vivem do lucro. Se discordassem do sujeito, se ferravam. Se concordassem, faturavam a conta. Então lhe dê concordâncias e que fiquem todos felizes.
Mas o Macedo, executivo recém chegado na empresa, naquele momento se mordia de raiva e estava com os nervos a flor da pele, louco pra intervir. Afinal, queria impedir a bandalheira. Distribuir mudinhas de árvores assim de repente nas filiais da empresa não era o problema. O problema era fazer crer aos clientes que a empresa estava preocupada com o buraco de ozônio. Além do mais, o Macedo estava mais era preocupado com as vendas e queria era fazer propaganda dos produtos que estavam encalhados. O Macedo, particularmente, diga-se de passagem, era um desses caras favoráveis ao plantio da soja no lugar da floresta. Dizia que “mato só serve pra juntar bicho e que o povo precisava era de comida no prato e salário em dia”.
Em casa, o Macedo tudo contou para a esposa durante o jantar. Ela, ao mesmo tempo em que dava comida na boca do filho pequeno, tudo escutava, pois às mulheres nada escapa e a tudo vão processando em segundos. Finalizadas as lamúrias ideológicas do marido, ela mandou que ele enfiasse o rabo no meio das pernas e jogasse o jogo que os caras queriam. E disse mais, pra arrematar a sentença, que ele, a partir daquela hora, deveria ser o sujeito mais verde da empresa e que, se ele não entendesse do assunto, que comprasse uns livros do Al Gore. Lembrou ainda que os planos pra comprar o apartamento lá perto da Padre Chagas estavam de pé e que ele não fizesse a asneira de deitar o projeto.
E na noite seguinte, o Macedo, revoltado com a vida e se sentindo estuprado nos seus ideais, nos confidenciou lá num boteco da Lima e Silva, que achava que iria entrar em depressão. O pior é que, entra caipiras e escondidinhos, todos deram a razão para a agência e para a mulher do Macedo, o que foi uma punhalada “às traição”, como diria um gaudério, no executivo.
De madrugada, levamos o Macedo carregado nos ombros pra casa. A esposa, consciente do problema existente, o recebeu com palavras do tipo “vem meu bem, vamos tomar um bainho” e não havia entre nós, assim com tanto amor e carinho, quem não estivesse querendo ser o Macedo. É bom que se diga que não há gesto mais emocionante no mundo do que aquele em que uma mulher, recém acordada no meio da noite, recebe com doçura um marido cambaleante. Mulheres assim, se é que morrem, vão direto pro céu com direito a suíte com hidromassagem.
No outro dia, mesmo com uma tremenda ressaca, Macedo foi à Siciliana ver algum livro que tivesse a ver com a encrenca e quando viu um título do autor determinado por ela, “Uma Verdade Inconveniente”, achou muito conveniente comprar. Depois disto, se passaram uns três anos...
Bom, por aqui vai parando a história, mas, é claro, vamos arrematar os detalhes finais de um jeito compacto. O Macedo, além de morar numa cobertura da Padre Chagas, é hoje o Vice-Presidente do grupo e é um dos palestrantes mais requisitados para versar sobre a vida do nosso planeta. Se alguém clicar “meio ambiente” no Google arrisca vir o nome do Macedo grudado. A empresa cresceu e os caras da agência cresceram junto com ela.
Não sei bem que lições se podem tirar de uma coisa assim, mas seria bastante prudente que nas reuniões de “brainstorm” dos intelectuais que mudam a nossa visão, seria oportuno que as mentiras, mesmo as grandes, fossem incluídas, porque, às vezes, nós prejulgamos que elas não possam vir a ser verdades absolutas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário