Foi ali no velho Chalé da Praça XV, bem no centro romantico de Porto Alegre, que esta história saiu da lona. Diz o Maciel, admirador de cubas-libres, que se passou realmente num circo mambembe que girava pelos arrabaldes da cidade na década de 70.
Era palhaço, não na expressão pejorativa da palavra, mas porque era o seu trabalho. Nas sessões da tarde, apinhadas de crianças, o picadeiro era o seu grande negócio. Fazer rir lhe rendia o sustento e fazia a sua vida, e dos outros, mais alegre. De família circense, desde pequeno era chegado a fuzarcas e cambalhotas.
Três filhos, duas meninas e um menino, casado com uma doce mulher, contorcionista do circo, pela qual era apaixonado e recebia de volta toda a paixão. De toda confiança, era ela o seu ponto de referência na vida.
O trailer em que moravam, devido à dedicação da mulher, brilhava de limpo. Suas roupas, apesar de gastas, estavam sempre lavadas, cheirosas e passadas. Com as roupas coloridas de palco, ela tinha especial atenção. O carinho e a devoção que ela dedicava ao marido e aos filhos era sublime e era ela ainda quem o maquiava e o transformava em um lindo e engraçado palhaço.
Ele não concebia a vida sem eles. A família era o seu inestimável patrimônio.
Os filhos cresceram a sua volta e retribuíam aquele amor devotado. Trabalhavam juntos e juntos viajavam mambembes pelas vilas do interior. Às crianças não faltava instrução, e nas horas de folgas, ela lhes ensinava português, matemática, história e geografia.
Ele não tinha olhos para mais nada que não fosse sua família e o trabalho.
A felicidade morava ali, definitivamente, de forma ambulante.
Um detalhe de menor importância ao caso precisa-se dizer com relação à esposa. Ela era infiel ao extremo. Traía com qualquer um quando a libido lhe subia à cabeça. Diziam que era doença, coisas da psicologia do sexo. A grande verdade é que ela era governada pelas vertigens que corriam em seu corpo e nao resistia quando isso chegava no auge. Era devassa e imoral na cama com os amantes, mas tinha uma grande virtude, sempre agia de forma discreta sem que a família soubesse, pois era mãe, esposa e companheira ao extremo. Diziam também que o palhaço não dava conta de apagar o fogo da esposa. O guri que vendia ingressos arriscava que o palhaço era dez minutos de pouco homem contra dez horas de muita mulher.
E isso era assim já fazia muito tempo e, no circo, todos sabiam menos o palhaço e os filhos, mas todos se calavam solenemente em profundo respeito à felicidade daquela familia.
Na vida existe um monte de verdades que não devem ser ditas e, tal como no espetáculo, não se pode burlar a fantasia. Às vezes é melhor ser feliz de um jeito que já está disposto do que saber da crua realidade. Nesse caso, pra que contar ao palhaço? Pra que transformar em tragédia a sua alegria? Pra que acabar com o circo?
E além do mais, qual a mulher que é perfeita? Seria um exagero esperar que logo a mulher do palhaço, um cara que vive brincando, não tivesse defeitos…
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