sexta-feira, 6 de abril de 2012

EM NOME DE EROS...

Aninha recém tinha feito os dezoito anos. Assim, de corpo, parecia, porém se vissem os jeitos graciosos de menina sapeca correndo pelo meio dos parreirais, ninguém daria esta idade. Ela era, decididamente, uma grande criança num corpo surpreendentemente exuberante, mas ela não estava nem aí para esta virtude e desconhecia até mesmo os maliciosos olhares que despertava.
Como toda mulher ariana, Aninha tinha, na íris de seus olhos, uma menina que, persistente, de lá não saiu quando cresceu. Por isso, no dia a dia, a parte mulher de Aninha era facilmente dominada por esta criança que estava lá dentro. Desconhecia a maldade, talvez por morar no interior do interior de uma pequena cidade serrana, lá no meio dos parreirais, sentindo o cheiro de uvas e vinho. Aninha, meio que atrasadinha, estava ainda por concluir o segundo grau, mas na escola já tinha sido rainha quando houve um concurso e, por isso e pela simpatia irradiante, era muitíssimo admirada. E porque não dizer, cobiçada...
Intervalo para reflexão:
Este pecado, a cobiça, é algo bastante inconsequente e deve ser analisado de uma maneira bem critica, pois num dos fragmentos da Bíblia consta que a vítima nunca é tão vítima e sim, muitas vezes, é ela quem desperta a monstro que existe nas pessoas normais, ou seja, não há inocentes na historia. Da cobiça nasce o desejo, do desejo à lascívia e desta, as reações inimagináveis do ser humano.

Então, assim por esse ângulo, seria bastante oportuno que a Aninha tivesse mais modos, que não sentasse, daquele jeito estropiado, mostrando as pernas roliças no banco da escola. Seria apropriado, para que a balzaquiana professora de história não ficasse tão tensa, que a Aninha não ficasse assim, mostrando a calcinha, na classe da frente. E aí, neste último detalhe, é que se entrelaçavam o urdume e a trama...

A Professora Amália, a tal que lhe ensinava as lições de história, estava, há um bom tempo, completamente sem norte devido à paixão desnorteada pela Aninha. E pensando nela de dia e de noite, Amália fantasiava o momento de gozar de tudo que a inocente Aninha poderia lhe dar. Aquela obsessão foi, pouquinho a pouquinho, tomando seu corpo e sua alma, sem que ela pudesse controlar o desejo. E Aninha, a cada aula, só fazia com que aquilo aumentasse e, sem saber da cobiça, ia graciosamente ao quadro negro apagar a lição. E a mestre, molhada e sentada, ficava assistindo o balançar das cadeiras da moça.

O grande problema da obsessão é tornar real aquilo que fantasiamos. Quanto mais distante estivermos de realizar o nosso desejo, mais doentes podemos ficar. Pior é ainda para a obsessão quando algo nos priva da posse do objeto querido. E, pelo menos parece, havia indícios de que isso pudesse estar ocorrendo, pois a nobre docente, acidentalmente, ao pegar o livro da arteira discente, lá achou, entre as folhas da história grega, uma, digamos imoral, camisinha com sabor de morango. Este símbolo do prazer e do pecado lá estava justamente posto nas páginas de Sodoma e Gomorra. E a vontade imediata de Amália, tal qual na história, foi fazer chover fogo e enxofre sobre a imoralidade existente no mundo.

Essa descoberta caiu como uma verdadeira bomba na cabeça desgovernada da professora. Não dormiu ela à noite, não conseguiu trabalhar bem ao dia e, nesse ritmo louco, por vários dias ruminou a desgraçada dor pela, agora não mais imaculada, Aninha. Imaginar que algum homem estivesse desfrutando do corpo daquela meiga tolinha, encheu de ódio o coração da Amália. Não o ódio contra Aninha, mas contra o infame sujeito que a seduziu e, sabe-se lá, quantas indecentes coisas fez com a menina. – E se houvessem ainda outros, Deus meu? Pensou Amália, aflita ao imaginar que houvesse muitos a se aproveitar de Aninha.

Aquela noite foi uma cruel parceira pra Amália, mas foi assim, aos buracos e solavancos, que concluiu que se Aninha não fosse só dela, de mais ninguém seria. E, sem planos e nem critérios, arquitetou a morte da moça. Não interessavam vestígios que ficassem sobre a autoria, pois a ela também reservava a mesma sorte. Mataria sem dó nem piedade a amante impossível e acabaria com a própria vida em nome de Eros.

Amália, então, leva Aninha pra sua casa com o falso intuito de reforçar os ensinamentos de história. A doce gazela, exultante de alegria por receber aquela benesse, vai, sem saber, para o fatal sacrifício.

Na intimidade da casa, Amália, entre conversas animadas e mal dadas lições, embebeda Aninha de vinho e a leva para o quarto. Lá, com o pretexto de uma brincadeira qualquer,  amarra Aninha pelos pulsos e pernas e tira as suas vestes, deixando a menina a sua mercê.

 Mas, antes do crime a punhal, com a curiosidade peculiar das mulheres, Amália quis saber da camisinha que estava no livro e que isto também lhe levasse ao nome do amante de Aninha. Aninha, inocente que estava naquele contexto, diz, sem malicia, que tinha achado a coisa na rua e que nem sequer sabia para que uso servia. Amália, surpresa com o argumento e sentindo na resposta toda a sinceridade humana, chora amargurada ao lado da cama. Aninha, sem compreender o que se passava, chora também como se fosse uma criança assustada.

Diante das lágrimas da virgem, Amália deita na cama pra lhe consolar. Sentindo que Aninha não opôs reação, Amália se atreve a lhe acariciar levemente e Aninha também a isso consente. A mestre, percebendo que aquilo agrada à menina, intensifica os carinhos e suas mãos resvalam sobre o corpo desnudo de Aninha. Amália, cada vez mais sem controle, beija Aninha no rosto, no pescoço, na boca, nos seios, enfim, percorre avidamente as tenras carnes de Aninha. E ela, sem conter os feromônios, tudo deixa sem reclamar no principio e depois, sem defesas, retribui com prazer.

Passados três anos do fato, Aninha hoje vive e divide os afazeres da cama, da mesa e do lar com Amália, como marido e mulher assumidos. E serão felizes para sempre até que a morte por uma branca lâmina as separe... 










sexta-feira, 30 de março de 2012

OS CHIFRES INESPERADOS DO DILERMANDO

Catarina, 26 anos, era uma mulher que batalhava que nem doida pra ajudar nas despesas de casa. Casara bem nova aos dezoito e, óbvio, há oito anos dividia as gavetas com o Dilermando, sujeito não muito confiável aos olhos dos outros, porém não aos de Catarina que só tinha os verdes olhos pra ele, o lar e o trabalho.
Catarina, como a maioria das mulheres casadas há algum tempo, era meio desleixada em sua aparência, desprezando maquiagens e outros artifícios que lhe dariam um upgrade. No entanto, qualquer homem com um bom olho clínico, que a visse mesmo desse jeitinho atirado, saberia que ali, com certo traquejo, estava um mulherão de fechar o comércio. Mas essas coisas, o Dila, apelido caseiro do maridão, não reparava. Tanto que até para as obrigações conjugais, dedicava ele não mais do que quinze minutos em uma semana. E cá para nós, era uma trepada meio que burocrática ao estilo papai e mamãe e sem variações. Mas, mesmo assim com essa comidinha doméstica, a Catarina sentia excitação no exercício, talvez até por não conhecer o mercado exterior. Qualquer um que soubesse desse segredo de alcova, diria que a Catarina era uma lamborghini que ainda não tinha sido acelerada em sua potencia total.  
Uma coisa evidente, com alguns anos de casamento, é que, com o tempo, o homem não enxerga mais que sua mulher ainda é gostosa. Talvez porque tenha a fêmea ao dispor a qualquer hora, assim como dizem, a prata da casa, o homem acaba não lhe dando o devido valor, ainda mais no caso do Dila que não podia ver, na rua, um rabo de saia, que logo imaginava o rabo sem saia. Em verdade, o Dilermando era um sujeito galinha ao extremo, coisa que a Catarina, com o seu belo rabo sempre encoberto, desconhecia.
Catarina, além de romântica e dona de casa, era uma excelente manicure, daquelas que não sangrava cutículas, e trabalhava num salão de beleza na Vicente da Fontoura, no velho e bucólico Bairro Santana, atendendo os clientes ali e a domicilio. E foi num sábado desses, de movimento intenso de gente cuidando da cara e do corpo lá no salãozinho, que Catarina soube, com o pé do ouvido na conversa de duas clientes, enquanto cuidava das unhas de outra, os detalhes sórdidos das galinhagens do esposo.
A doce Catarina tudo ouviu quietinha, aguentando no tranco o desgosto da cruel decepção. Mal terminou de pintar as unhas da sua freguesa, tomou o caminho de casa, alegando à patroa um enjoo qualquer. A coitadinha foi chorando pra casa e, entre as lágrimas, imaginando o que fazer diante do fato. Uma coisa era certa, pra separar ela não tinha a mínima coragem, tamanha era a dependência que tinha do cara.
À tarde, naquele mesmo dia, já consumido todo o choro que tinha, Catarina deu uma arrumada na casa como se tudo estivesse normal. Depois de tudo limpinho, atirou-se sobre o sofá para colocar os pensamentos em ordem. Pra começar, deu em si mesma uma analisada geral. Olhou o seu jeans, a sua camiseta, o seu tênis e achou assim, de repente, que tudo estava meio que com validade vencida. Levantou-se, olhou-se no espelho, deu meia volta, deu volta e meia e, decididamente, não gostou do que viu. Resolve tirar tudo ali mesmo e, nua, dá outra olhada geral, de frente, de lado, de bunda, e conclui, com toda a razão, que tinha um corpaço. E, ainda pelada, tendo o espelho por testemunha, sentencia que era uma idiotice completa dar exclusividade da posse de todo aquele volume a um só homem, ainda mais para um imbecil que não merecia.
O Dilermando chegaria mais no iniciozinho da noite, pois nos sábados sempre tinha futebol com a turma, argumento esse e outros que, a partir de agora, pouco interessariam à Catarina.
Ali mesmo na sala, arruma os cabelos e se maquia de um jeito bem provocante. Catarina retoma a mesma roupinha, pega a sua bolsa de marca nenhuma e vai para shopping. Lá, num banho de loja, compra sainhas curtinhas, calças apertadinhas e blusinhas que deixam seus seios arfantes. E para os pés, aposenta o tênis e escolhe saltinhos altos que lhe levantam as coxas E o resto pra cima. Olha-se no espelho, com a nova embalagem, sentindo tesão por si mesma e observa que até a vendedora que lhe atendia fica babando por ela.
Catarina caminha, ou melhor, desfila, pelo corredor do shopping, jogando, numa provocação geral, seu belo quadril pra lá e pra cá, embasbacando os passantes. Os hormônios daquela dona de casa, gostosa e traída, começaram a transbordar pelo corpo. Ela estava afim, definitivamente, assim de repente, a ir pra cama com o primeiro tarado que lhe abordasse...
E uma coisa é bem certa, a qual até muitas vezes não percebem os homens. Quando uma mulher, passa assim deste jeito na contramão, podem ter certeza senhores, ela está, como se fosse um animal na natureza, dando sinais corporais de que quer um macho satisfazendo os seus instintos mais básicos. É quando o cavalo, ou melhor, a égua, passa encilhada e a gente não monta...
E, naquela mesma tarde de sábado, Catarina foi possuída por um sujeito que nem sequer soube o nome. Convidada, aceitou de primeira e perguntada o quanto custava o programa, respondeu, surpresa e sem vacilar, que era trezentos. Negócio fechado, dali seguiram  para um discreto motel, ali  pertinho do shopping Praia de Belas.
Ao invés da mesmice curtinha da trepada caseira, Catarina experimentou duas horas e poucas de intenso prazer. Catarina soube atender com presteza, de tanta energia guardada, tudo o que o cliente queria. A primeira sempre é difícil, até pensou Catarina, mas tinha ela certeza que nas próximas escapadinhas, daria o máximo de si para recuperar o tempo perdido, ainda mais que agora este prazer tinha virado uma inesperada fonte de renda. Por isso, concluiu Catarina, que tinha tanta gente diversificando os negócios.  
Finalmente satisfeita, Catarina toma o caminho de casa pra esperar docemente o marido, pois, afinal, tinha prometido fazer um carreteiro, coisa que ela, como ninguém, se esmerava ao fazer. E, de fato, fez e o Dilermando adorou. À noitinha, o Dila alegando dor de cabeça, dormiu e roncou, só que, desta vez, com um belo par de chifres em sua cabeça.


  

segunda-feira, 26 de março de 2012

A JAPONESINHA DO ALCIDES

O Restaurante Copacabana, na Praça Garibaldi, no famoso reduto boêmio da Cidade Baixa de Porto Alegre, é algo assim tão antigo quanto maravilhoso. Ali, o gremista Lupicínio Rodrigues bebia, cantava e fazias as letras de suas nostálgicas canções. E foi ali que, entre cervejas geladas e pasteizinhos de carne, numa boa turma de amigos, saiu esta história do arco da velha...
 
Como bem sabe o povo brasileiro, uma boa parte de privilegiados servidores públicos, por este Brasil afora, se aposenta, antes do tempo previsto, através de sacanagens burocráticas. Um dos artifícios costumeiros é a boa a velha depressão, tão facilmente comprovada por charlatães credenciados. E assim, vivem eles gozando a vida e generosamente pagos pelo povo tupiniquim.

Alcides, solteirão, nem chegando aos cinquenta, era um desses afortunados depressivos que adorava a dolce vita. Bons uísques, gosto refinado, turista constante de primeira classe, Alcides morava num belo apto na Carlos Gomes e, para assar um salmão e receber os amigos, tinha uma confortável casa na praia de Atlântida.  “A felicidade mora aqui”, “só alegria”, afirmava Alcides, sem remorso nem pena do contribuinte, expressando o sorriso zombeteiro das raposas.

É claro, que nestas alturas da história, querem saber os leitores, aonde entram as mulheres no enredo, não é mesmo?

Pois bem, fora o plural, poderíamos falar no singular, pois o Alcides tinha, há muito tempo, só uma, aliás, uma verdadeira boneca de tão linda e perfeita que era. Ela, pasmem, era literalmente dócil e se poderia dizer, ao exagero, escrava e submissa. Por essas virtudes, Alcides era perdidamente, desvairadamente, apaixonado por ela. Pra completar e encher de desejo quem acompanha a história até aqui, ela só havia pertencido a um único homem na sua vida, o sortudo do Alcides. Linda, dócil, submissa e fiel, por um milagre, a mulher ideal.

Yoko, essa linda companheira do Alcides, conhecera o próprio em uma das viagens do amado ao Japão. Lá, tanto estreitaram o relacionamento que Alcides a trouxe para dividir a vida com ele no terceiro mundo. Então, noite ou dia, em farfalhantes cetins deitava mansamente aquela japonesinha. Nada, mais nada mesmo, traria tanto prazer a um homem...

Porém, como nos mostra a experiência, a felicidade nunca é oferecida com garantia total vitalícia. E assim foi com o Alcides, para alegria geral daqueles que trabalham honestamente e não tem acesso a depressão paraguaia.

Coincidiu que o Walmor, um tio interiorano do Alcides, já com idade bastante avançada, beirando os oitenta, precisou se hospedar no apartamento do nosso herói, por conta de uns exames médicos que faria em Porto Alegre. Alcides, ainda que contrariado pela invasão de sua privacidade, não teve como negar, pois partira o pedido de sua mãe a quem ele era todo abnegado.

Alcides, de muitas atividades sociais, pouco parava em casa, a não ser, evidentemente, à noite, pois nestas horas o “bon vivant” tinha compromissos sagrados com a meiga japonesinha. O Seu Walmor, então, foi acomodado no quarto da empregada com a intenção de que não interferisse na área intima do apartamento do Alcides. Assim, com esta precaução, foram reduzidas as possibilidades de que o velho bisbilhotasse nos cômodos da casa na ausência do proprietário.

Mas, sabemos todos, que pessoas velhas são iguais às crianças. Bisbilhoteiros, mexem em tudo quando se veem sozinhos na casa dos outros. Abrem gavetas, peidam, cheiram roupas íntimas, experimentam cremes, cospem na pia, enfim, essas coisas que todos faremos algum dia na vida. Só não se esperava que fizesse o que fez e que tivesse acontecido uma lamentável tragédia.

O Alcides tinha avisado que retornaria pra casa quando chegasse à noitinha. No entanto, voltou ele no meio da tarde e deparou-se com a mais cruel das visões, com o mais doloroso de todos os pecados: a traição.
Na cama matrimonial, num flagrante adultério, o Seu Walmor, com aquele esquálido corpo branquelo e sem roupas, de bunda pra cima, estava entre as pernas nuas de Yoko. A submissa bonequinha de luxo ficou ali, abobada, sem compreender os gritos alucinantes do Alcides. Descontrolado, arrancou violentamente o corpo do velho da cama e esbugalhou os olhos ao perceber que este estava inerte e sem vida. Meu Deus, o Seu Walmor tinha morrido!

O Alcides, transtornado e enlouquecido, agride Yoko de todas as formas físicas possíveis, praticamente dilacerando o corpo da japonesa. Aos berros e chorando desesperadamente sai ele no corredor do edifício pedindo socorro e afirmando ter matado a Yoko. Os vizinhos, alertados pelo escândalo, irrompem no apartamento e assistem a uma cena insólita.

 Um velho morto sobre o tapete e na cama, rasgada e dilacerada, uma boneca inflável de fabricação asiática, a qual o Alcides chamava de Yoko.

O pior, para o remorso do Alcides, ainda veio a galope. Os peritos disseram que não houvera penetração e isso significava que Yoko não fizera, tecnicamente, sexo com o velho. Portanto, não houvera traição. O Seu Walmor tinha morrido ao exaurir o ar dos pulmões no momento em que havia acabado de inflar a boneca.


O Alcides, atualmente, gasta o seu dinheiro numa clinica de recuperação mental. Finalmente, quis o destino, sofre de grave e legítima depressão.



  

segunda-feira, 19 de março de 2012

A MÁSCARA VENEZIANA

Esta história, passada em 95, teve como palco a saudoso Urso Branco, o pequeno e aconchegante barzinho do Seu Arthur que existia na Rua Pinto Bandeira, no centro de Porto Alegre. Ali, sempre faltava mesa depois que fechava o comércio, pois era o ponto em que os gerentes bebiam uma que outra antes de rumarem pra casa. Naquela noite, a história do Maciel, que era analista de crédito, tomou conta de toda a conversa...
Uns dias antes, Maciel jamais teria imaginado realizar aquela proeza. Quase amanhecer no Madrigal, a lendária casa noturna da Rua Santo Antonio, era realmente um sonho impensável para a maioria dos sujeitos que tem compromisso amoroso. E o Maciel sempre foi de levar muito a sério este negócio de não chegar tarde em casa e poucas vezes aceitava o convite da turma para uma rodada no bar.
Lucinha sempre foi ciumenta, bonitinha, complicada e perfeitinha. E se ela não saía com as amigas, não sairia também o Maciel. Todo o mundo sabia que a Lucinha era quem dava as cartas na casa, administrativa e financeiramente, e diziam que o Maciel, no fim do mês, entregava todo o salário pra ela, pois sabia que ela sabia fazer muito com pouco. E, na realidade, fazia.
O casal estava junto há cinco anos e tinham dois filhos. Antes das crianças, só o Maciel trabalhava e a Lucinha, de pouco estudo, cuidava da casa. Depois que o orçamento pesou, coincidiu no Brasil o surgimento dos Bingos e foi lá que a Lucinha foi trabalhar pra ajudar nas despesas. A partir daí, o Maciel e a Lucinha ficaram naquela de “um chegava e o outro saía”, pois a Lucinha só conseguiu vaga no turno da noite no Mega-Bingo da Rua da Praia. Lucinha chegava as seis da matina e o Maciel nesta hora ainda estava dormindo. O Maciel, como bom analista, até que ficou relutante e não queria aprovar aquele negócio, mas a necessidade de pagar aluguel, a creche dos filhos e etcétera, era a maior avalista.
E, de fato, um ano e meio depois, as finanças se equilibraram e, além de conseguirem pagar todas as contas, ainda sobrava uma poupancinha no banco, o que era ótimo para a felicidade do lar. Lucinha, com o setor financeiro mais frouxo, e em função do horário do seu trabalho, não pegava mais ônibus. Compraram um carrinho que, às vezes, o Maciel usava de dia e a Lucinha sempre pegava de noite. Lucinha, mais tarde promovida a chefe de turma, e já ganhando mais que o marido, se deu ao luxo ainda de fazer, em prestações, uma lipo e botar silicone nos seios. Além do mais, andava bem mais arrumadinha que antes. Afinal, para o Maciel, nada demais que ela valorizasse a vaidade, pois trabalhava que nem condenada.
Alerta Importante:
Aqui cabe um comentário, um tanto machista, a respeito das mudanças que ocorrem nas fêmeas, principalmente as casadas, quando elas, pela primeira vez, saem de casa e ganham o mercado de trabalho. A primeira coisa que acontece de fato, e comprovado por estudiosos, é que a mulher se dá conta, saindo da rotina do lar, que a liberdade existe e que outros homens a olharão com mais gula do que o marido. O assédio será inevitável e elas gostarão, mesmo fazendo mumunhas, da novidade, pois, afinal, sua vaidade ganhará um novo vigor. Reparem que toda mulher, nestes casos, começa a ficar diferente em muitos aspectos, seja no cabelo, na maquiagem, na vestimenta, enfim, o visual que era simples só pro marido em casa, ganha um upgrade para os outros na rua.
E como diz a ciência que estuda os indícios de que algo paira no ar, toda e qualquer repentina mudança no visual de uma mulher terá sempre como elemento desencadeador o mundo lá fora. Para um marido, depois de cinco anos de casamento, nenhuma mulher tem motivos para se revelar diferente.
Então nobres cavalheiros, atentem para os primeiros sinais de que algo começa a crescer sobre vossas cabeças.

Bom, voltando à história, o importante é que tudo ia bem, bem demais até pra falar a verdade.
Só que outra verdade apareceu pro Maciel. Um amigo da loja em que trabalhava lhe confidenciou algo no mais absoluto segredo. Disse o sujeito que numa das suas saidinhas na noite de Porto Alegre, deu de cara com a Lucinha, em plenas três da madrugada, fazendo strip-tease na boate Madrigal da Rua Santo Antonio. Maciel, pasmo, engasgou e simplesmente desacreditou daquela informação absurda, mas depois que o amigo contou que ela tinha um pequeno anjinho tatuado na virilha direita, o Maciel começou a chorar no ombro do delator.
Naquele sábado, o Maciel contou os minutos para que terminasse o dia. “A casa caiu”, pensava ele com um profundo arrependimento de ter ajudado na queda, pois não devia, de forma alguma, ter soltado a Lucinha. Afinal, ele viu, e estava gostando, que ela se transformara num mulherão. E a coisa estava acontecendo debaixo do seu nariz, pensava ele, e o pior, sabe-se lá se o segredo que lhe contaram já não estava por aí aos quatro cantos do mundo.
Era carnaval, já sabemos. O que não sabíamos é que o Maciel foi para o Madrigal, mas não assim de cara lavada como estamos pensando. Maciel, naquela tarde, passou nas lojinhas da Rua Pinto Bandeira que vendem de tudo e comprou uma máscara veneziana e seria com ela que, mascarado, iria ser o voyeur do strip-tease da própria mulher. Queria dar o flagrante, queria chamá-la de vagabunda, queria, na verdade, cuspir naquela devassa.
Informou-se sobre a hora e soube que as duas e meia ela se apresentava. Enquanto isto, imperceptível num canto da casa, Maciel enchia a cara e não quis companhia. Súbito, as marchinhas de Carnaval silenciaram ao rufar de tambores e em meio à fumaça de gelo seco, anunciaram aquela estonteante Lucinha, a gata que derretia corações masculinos. E ela irrompe, lasciva e dançante como uma serpente se enroscando num véu. Lucinha, peça por peça, fica nua para uma delirante plateia.
Maciel, completamente paralisado e com a baba correndo do canto da boca, se apaixona, de forma avassaladora, subitamente pelo corpo e pelas curvas da sua própria mulher. Esquece ele do ódio e deixa que uma vertigem incontrolável o arrebate. Sente um irresistível orgulho por ver tantos homens a desejando e também ele não consegue reprimir a vontade de possuí-la.
Mas se enganavam aqueles canibais idiotas que morreriam pelo prazer de ter aquela mulher, pois a maravilhosa Lucinha era dele, tinha dono e endereço, isto sim era fato. Maciel, assim como entrou, incógnito saiu e Lucinha nunca soube que ele foi lá.
Depois daquela noite, sempre que a Lucinha chegava, o Maciel estava sempre acordado e não houve jamais, a partir dali, uma alvorada em que não houvesse no quarto de casal daquele doce lar, a cama intensamente molhada de sexo.

sábado, 17 de março de 2012

IDEOLOGIA, EU QUERO UMA PRA VIVER!

Eles provavelmente discutiram, após um período de estudo interno daquela empresa, qual a avaliação que passariam ao empresário. Eram novos no mercado e havia uma grande responsabilidade sobre seus ombros, pois tinham sido contratados para mudar a cara e o coração do cliente. Certamente o “boss”, quando questionado pelo nerd da criação, respondeu:
- Antes de dizermos a verdade, vamos sondar a reação dele quanto a ela. Se pressentirmos que não goste, nós vamos dizer todas as mentiras que ele quer ouvir e, mais, vamos lutar para que elas sejam bem semelhantes a uma verdade.

Se essa desconfiança procedesse, ficaria evidente que havia uma grande possibilidade da construção de estratégias sobre pilares inexistentes, isto é, algo que não teria nem tona e nem fundo, como diria o Garrincha. Quando o marketing se transforma numa salada, sem alho e sem bugalho, a ética bate na porta e o cara não abre porque pensa que é o frio das casas Pernambucanas.

Há um modismo escancarado nos dias de hoje: as empresas ou são sociais ou apóiam o meio ambiente. Estas duas razões viraram uma vertente de faturamento e, é claro, todo mundo quer ser uma coisa ou outra. As duas, até pra mentir, fica bem mais difícil. A realidade é que poucas conseguem ser algo concreto neste quesito.

Pois, na opinião do Macedo, após ter participado da reunião durante aquelas duas horas, não restava mais dúvida. Os caras da agência vieram com duas caras e não sei quantas  medidas, uma verdadeira que poderia resolver o problema e outra que só faria com que aquele cliente jogasse o dinheiro no ralo. O interessante é que desde o principio, já se sabia que o empresário queria viver de ilusão.

Verdades, na maioria das vezes, custam mais caro e principalmente para quem as diz. Partindo deste principio, não se esperaria outra coisa daquele pessoal, pois, afinal, também eles filhos de Deus, vivem do lucro.  Se discordassem do sujeito, se ferravam. Se concordassem, faturavam a conta.  Então lhe dê concordâncias e que fiquem todos felizes.  

Mas o Macedo, executivo recém chegado na empresa, naquele momento se mordia de raiva e estava com os nervos a flor da pele, louco pra intervir. Afinal, queria impedir a bandalheira. Distribuir mudinhas de árvores assim de repente nas filiais da empresa não era o problema. O problema era fazer crer aos clientes que a empresa estava preocupada com o buraco de ozônio. Além do mais, o Macedo estava mais era preocupado com as vendas e queria era fazer propaganda dos produtos que estavam encalhados. O Macedo, particularmente, diga-se de passagem, era um desses caras favoráveis ao plantio da soja no lugar da floresta. Dizia que “mato só serve pra juntar bicho e que o povo precisava era de comida no prato e salário em dia”.

Em casa, o Macedo tudo contou para a esposa durante o jantar. Ela, ao mesmo tempo em que dava comida na boca do filho pequeno, tudo escutava, pois às mulheres nada escapa e a tudo vão processando em segundos. Finalizadas as lamúrias ideológicas do marido, ela mandou que ele enfiasse o rabo no meio das pernas e jogasse o jogo que os caras queriam. E disse mais, pra arrematar a sentença, que ele, a partir daquela hora, deveria ser o sujeito mais verde da empresa e que, se ele não entendesse do assunto, que comprasse uns livros do Al Gore. Lembrou ainda que os planos pra comprar o apartamento lá perto da Padre Chagas estavam de pé e que ele não fizesse a asneira de deitar o projeto.

E na noite seguinte, o Macedo, revoltado com a vida e se sentindo estuprado nos seus ideais, nos confidenciou lá num boteco da Lima e Silva, que achava que iria entrar em depressão. O pior é que, entra caipiras e escondidinhos, todos deram a razão para a agência e para a mulher do Macedo, o que foi uma punhalada “às traição”, como diria um gaudério, no executivo.

De madrugada, levamos o Macedo carregado nos ombros pra casa. A esposa, consciente do problema existente, o recebeu com palavras do tipo “vem meu bem, vamos tomar um bainho” e não havia entre nós, assim com tanto amor e carinho, quem não estivesse querendo ser o Macedo. É bom que se diga que não há gesto mais emocionante no mundo do que aquele em que uma mulher, recém acordada no meio da noite, recebe com doçura um marido cambaleante. Mulheres assim, se é que morrem, vão direto pro céu com direito a suíte com hidromassagem.

No outro dia, mesmo com uma tremenda ressaca, Macedo foi à Siciliana ver algum livro que tivesse a ver com a encrenca e quando viu um título do autor determinado por ela, “Uma Verdade Inconveniente”, achou muito conveniente comprar. Depois disto, se passaram uns três anos...

Bom, por aqui vai parando a história, mas, é claro, vamos arrematar os detalhes finais de um jeito compacto. O Macedo, além de morar numa cobertura da Padre Chagas, é hoje o Vice-Presidente do grupo e é um dos palestrantes mais requisitados para versar sobre a vida do nosso planeta. Se alguém clicar “meio ambiente” no Google arrisca vir o nome do Macedo grudado. A empresa cresceu e os caras da agência cresceram junto com ela.

Não sei bem que lições  se podem tirar de uma coisa assim, mas seria bastante prudente que nas reuniões de “brainstorm” dos intelectuais que mudam a nossa visão, seria oportuno que as mentiras, mesmo as grandes, fossem incluídas, porque, às vezes, nós prejulgamos que elas não possam vir a ser verdades absolutas.   

A MULHER DO PALHAÇO

Foi ali no velho Chalé da Praça XV, bem no centro romantico de Porto Alegre, que esta história saiu da lona. Diz o Maciel, admirador de cubas-libres, que se passou realmente num circo mambembe que girava pelos arrabaldes da cidade na década de 70. 
Era palhaço, não na expressão pejorativa da palavra, mas porque era o seu trabalho. Nas sessões da tarde, apinhadas de crianças, o picadeiro era o seu grande negócio. Fazer rir lhe rendia o sustento e fazia a sua vida, e dos outros, mais alegre. De família circense, desde pequeno era chegado a fuzarcas e cambalhotas.
Três filhos, duas meninas e um menino, casado com uma doce mulher, contorcionista do circo, pela qual era apaixonado e recebia de volta toda a paixão. De toda confiança, era ela o seu ponto de referência na vida.
 O trailer em que moravam, devido à dedicação da mulher, brilhava de limpo. Suas roupas, apesar de gastas, estavam sempre lavadas, cheirosas e passadas. Com as roupas coloridas de palco, ela tinha especial atenção. O carinho e a devoção que ela dedicava ao marido e aos filhos era sublime e era ela ainda quem o maquiava e o transformava em um lindo e engraçado palhaço.
Ele não concebia a vida sem eles. A família era o seu inestimável patrimônio.
Os filhos cresceram a sua volta e retribuíam aquele amor devotado. Trabalhavam juntos e juntos viajavam mambembes pelas vilas do interior. Às crianças não faltava instrução, e nas horas de folgas, ela lhes ensinava português, matemática, história e geografia.
Ele não tinha olhos para mais nada que não fosse sua família e o trabalho.
A felicidade morava ali, definitivamente, de forma ambulante.
Um detalhe de menor importância ao caso precisa-se dizer com relação à esposa. Ela era infiel ao extremo. Traía com qualquer um quando a libido lhe subia à cabeça. Diziam que era doença, coisas da psicologia do sexo.  A grande verdade é que ela era governada pelas vertigens que corriam em seu corpo e nao resistia quando isso chegava no auge.  Era devassa e imoral na cama com os amantes, mas tinha uma grande virtude, sempre agia de forma discreta sem que a família soubesse, pois era mãe, esposa e companheira ao extremo. Diziam também que o palhaço não dava conta de apagar o fogo da esposa. O guri que vendia ingressos arriscava que o palhaço era dez minutos de pouco homem contra dez horas de muita mulher.
E isso era assim já fazia muito tempo e, no circo, todos sabiam menos o palhaço e os filhos, mas todos se calavam solenemente em profundo respeito à felicidade daquela familia.
Na vida existe um monte de verdades que não devem ser ditas e, tal como no espetáculo, não se pode burlar a fantasia. Às vezes é melhor ser feliz de um jeito que já está disposto do que saber da crua realidade. Nesse caso, pra que contar ao palhaço? Pra que transformar em tragédia a sua alegria? Pra que acabar com o circo?
E além do mais, qual a mulher que é perfeita? Seria um exagero esperar que logo a mulher do palhaço, um cara que vive brincando, não tivesse defeitos…

sexta-feira, 16 de março de 2012

A OUTRA VIDA DO SEU ANTENOR!

Existem coisas estranhas na vida dos outros e que julgamos que com a gente jamais aconteceria. E quando sabemos dessas coisas, talvez inverídicas, ficamos com aquele jeito com a sobrancelha erguida e com um arzinho de que “não é possível uma coisa assim”.
Ainda bem que na mesa em se comia umas fritas e se entornavam destilados, existia um psicólogo presente, claro, meio que ébrio, mas que, talvez por isso, tenha o assunto rendido até a madrugada. A história do Seu Antenor estava sendo desvelada, assim numa boa, numa mesinha redonda daquelas de toalha xadrez e um plastiquinho por cima.
Antenor era um desses sujeitos que estava na reta final da vida, mas era um cara feliz demais da conta. Já quase chegando aos 70, julgava que já tinha vivido muitas crises de todas as espécies, mas agora, neste momento, fizera com que todas as encrencas tivessem acabado.
Ainda casado com a velha parceira, dormia, como era de se esperar, “bundacombunda” já fazia muitos anos. De dia, passava num vai-vai de dentro de casa até o portão da rua. De vez em quando mexia em alguma plantinha, trocava uma lâmpada, mas no mais, no restante do dia, ficava lá na frente de casa, de pijama de tergal, cumprimentando quem abanasse.
Sofria o Antenor de dor na coluna, bronquite crônica e, volta e meia, se atacava das hemorroidas, isso sem contar dores aqui e ali que vinham e voltavam sem avisar. Quando o sol ia descendo e chegava à tardinha, Seu Antenor botava o traseiro no lugar preferido do seu sofá e via todas as novelas da Globo e nos comerciais que não gostava, acabava cochilando.
Então, de dia, a vida do Seu Antenor era essa aí sem tirar nem botar nenhum pingo e eu sei que dirão certamente que isto não é motivo pra ser “um cara feliz demais da conta”, como se afirma no inicio da história. E certamente haverá razoes para essa ressalva.
Ocorre, porém, que até então se conta a história do Seu Antenor nos afazeres cotidianos do dia. Ainda nem falamos da vida do Seu Antenor naquelas horas em que ele põe a cabeça grisalha no travesseiro. Pois, é justamente nessas horas em que tudo começa a mudar na vida do velho e em que tudo se explica a razão de tanta felicidade.
Por favor, não teimem em afirmar que o que ele faz é coisa de louco, pois se pensarmos profundamente, todo mundo faz um pouco do que ele faz, só que ele transformou a ideia em algo deveras interessante.
Vejam bem que todos, sem exceção, sempre sonham com uma vida melhor e é necessariamente na cama, com o quarto assim escurinho, que temos tempo de sobra para sonhar. Assim, quando fechamos os olhos e fingimos dormir, o pensamento dispara livre como um cavalo no campo, sem rédeas e sem limites. É quando temos um carro melhor, uma casa na praia, amores impossíveis, grandes aventuras em que somos os heróis e sempre uma vida muito, mas muito melhor.
Então se concordam com isso, hão de admitir todos que o Seu Antenor, ao construir outra vida baseada nessa premissa, arranjou um jeito especial de driblar a sua própria vida vulgar, aquela que, obviamente vive de dia.
Na noite, a vida do Seu Antenor tem uma longa e bem distinta história e ele tem noção  perfeita das duas vidas que vive, pois ambas tem sequencias diárias e sistemáticas. Por isso, quando vem chegando à noitinha, o Seu Antenor, bem acordado, já está na grande expectativa de continuar aquela parte da vida que terminou na madrugada passada.
Na vida noturna, o Seu Antenor é o mesmo Seu Antenor de quando tinha 40 anos, cheio de vigor e energia, só que não operário da fabrica de sapatos, mas sim o presidente da empresa. Nesta etapa da vida, todos aqueles que foram chefes do Seu Antenor no passado, são agora subordinados e ele, nesta condição de executivo maior, teve o prazer, na semana passada, de meter um pé na bunda do sujeito que antes era o seu principal superior.
O Seu Antenor tem, na calada da noite, muitas mulheres, as mais belas amantes, e é adorado como um deus grego por elas. E não há noite em que uma delas não deixe os lençóis suados de tanto fazerem amor.
Seu Antenor, ao invés do apartamentinho pequeno no Partenon, mora na Nilo Peçanha na maior cobertura do bairro e é admirado por todos, principalmente quando se destaca nos torneios de golfe no Country Club. Carros só importados, perfumes só franceses, ternos só italianos. Samaritano, faz generosas doações a quem precisa de auxilio.
Tudo se passa tal qual na vida real e o Seu Antenor tem perfeita consciência ao dia de tudo que se passou na noite passada. E o detalhe curioso é que durante a noite, em que leva faustosamente a vida, as lembranças do dia não vêm jamais em sua cabeça. Na mais pura das questões, o Seu Antenor, às vezes, tem dúvidas sobre qual vida é real, a do dia ou a da noite. Pois assim ele vive nestas duas fases contrárias há mais de vinte anos e isso tem, de certa maneira, afetado a sua compreensão plena, isto é, em nossa opinião.
É claro que o Seu Antenor prefere a vida noturna. É claro que a vida de dia parece, a cada dia, estar esperando a morte chegar. Então, nesse dilema, pasmem os senhores, o Seu Antenor se permitiu estabelecer, lucidamente, que a vida de dia é um pesadelo que ele vem tendo há anos e não consegue dela se libertar. Em consequência, fica dito e decidido que a verdadeira vida do Seu Antenor é vivida na calada da noite. Aquela sim é real, a outra do dia é um devaneio que invade a sua mente e que ele se resignou a aceitar.
Será que o Seu Antenor está certo?

terça-feira, 13 de março de 2012

BEIRA DE RIO...



A história se passa aí pela década de 60, no interior rio-grandense, lá pras bandas de Rio Pardo, no tempo em que as lavadeiras batiam as roupas nas pedras do rio. Então, já faz tempo, mas na memória, já meio turva, de quem conta esta história, parece até que foi ontem.
Os dois corriam pelas margens do rio. Ela, de vestidinho de chita e trancinhas nos ombros. Ele, de calçãozinho rasgado e desgrenhados cabelos. Pés descalços e calejados, ele chutava a rasa água da beira com seus finos cambitos. Uma infância tão pura, tão cristalina, quanto o rio que lá descia…
Mal acordavam, se procuravam. Vizinhos na pacata vila diziam que pareciam imantados. Amigos tinham às pencas, mas preferiam andar de parzinho e, volta e meia, estavam embolados, subindo em árvores, comendo pitangas, jogando bolinhas…
Foram crescendo e mais inseparáveis ficavam. Os pais adoravam e os vizinhos também. Impossível que não nascesse dali o amor verdadeiro, puro, brotado das pedras do rio.
O primeiro carinho na pitangueira, o primeiro abraço na goiabeira, o primeiro beijo no portão…
Até chegarem às caricias maduras de homem e mulher, da primeira vez para ambos, saindo das fraldas da adolescência. Amaram-se invernos e verões…
Até que numa manhã de outono em que o minuano castigava a pele do povo, eles sentiram que o amor não era só alegria…
O velho caminhão carregava os móveis de sua casa, de sua família. Há muito estavam vencidos e precisavam mudar. Ela ficava, ele ia…
Ficaram eles abraçados junto à boléia, um dizendo que ia esperar, outro dizendo que ia voltar…
Sem saber, ela guardava um segredo…
A vida passou, ano após ano e se passaram uma dúzia e meia de anos.
Dele sabemos. Dera a volta por cima da vida. Formou-se com sacrifício, casou, separou, ficara sozinho. Ascendeu na profissão e tinha vida abastada, de hábitos finos, de roupa alinhada. Entretanto, havia um quê no seu ritmo que não lhe permitia aceitar plenamente o concreto da grande cidade.  
Um dia, ao chegar de ressaca quando o sol recém aparecia, cansou de tudo, da grande cidade, das luzes, das pessoas e dos perfumes...
Mal amanhece no outro dia, de malas prontas. Destino tinha, só não sabia o que ia encontrar. Tantos anos…
Caminhando na beira do rio, revendo pitangas e pitangueiras, na pacata vila que tinha parado no tempo.
Eis que ela surge no portão de madeira da mesma casinha simplória. Mas era impossível, ela não envelhecera, a mesma aparência de outrora, o mesmo sorriso de jeito infantil…
Ele estacou junto à goiabeira. Não se movia. E ela, curiosa, ficara lhe olhando com os mesmos olhos que ele muito bem conhecia…
Devagar, ela fala. Ele, boquiaberto e em silêncio, ouve-a dizer que há muito tempo está lhe esperando. Sua mãe prometera, não sabia quando, que um dia o pai vinha…
Ele, em prantos, ajoelha-se e agarra-se ao corpo da filha, que lhe acaricia os cabelos como se estivesse lhe dando o perdão…
Na porta entreaberta da casa, com um singelo sorriso, a mãe tudo via…

sexta-feira, 9 de março de 2012

AS TRÊS MARIAS...

Esta história chega a dar dó de ser ouvida, talvez por misturar o sublime com a fantasia e, mais ainda, que sempre nos emocionem os verdadeiros casos de amor. Ela foi contada pelo próprio protagonista, o João, depois de muitas e muitas rodadas de copos no bar do Hotel Uruguai, ali na baixada da Borges.
João não tinha o pai e morava com a mãe. Era um rapaz educado, comportado e bom filho. Estudava, trabalhava e ajudava em casa. O que sobrava, guardava. Não conhecia as malandragens da vida e, por isto, pouca experiência tinha. Namorava como antigamente e a namorada se chamava Maria. Namoravam desde a infância.
Um dia, aos vinte anos, soube pela voz embargada de Maria, que ela conheceu a luxúria do sexo com outro. Dizia Maria que o outro, seu chefe no emprego e que era casado, a depravara no próprio escritório assim nesses dias em que se inventam extras serviços. Começaram de brincadeirinhas inocentes e acabou, fruto da sua ingenuidade flagrante, fazendo coisas bem indecentes. Mas jurava que aquilo não fez por amor, e que, porém, não resistindo ao desejo, abrira suas pernas pra ele. E que ele virara suas pernas do avesso. E que, de todos os jeitos possíveis, a possuíra. Disse assim de um jeito tão simples que João simplesmente virou-lhe as costas, virando também as páginas daquele passado.
Aos vinte e três anos, João perdeu a mãe num acidente. Ficara sozinho. Formara-se ao mesmo tempo em que conheceu outra Maria. Com esta Maria namorou algum tempo e noivou logo adiante. Tinha um grande respeito por esta Maria que, evangélica, sabia a bíblia décor. E isto, pra ele, era um exemplo de mulher devotada.
Um dia, aos vinte e cinco anos, ao fazer uma surpresa para Maria, lhe visita sem avisar. Encontra Maria gemendo, nua e montada sobre o Pastor. Ficam os três, no quarto, sem nada dizer. João, sem levantar os olhos e respeitando a nudez de Maria, entrega a ela as brancas flores que tinha trazido. Maria, estática, ainda montada sobre o parceiro, abraça-se às flores e pede, em sussurro, perdão. Pede assim de um jeito tão puro que parecia que ela era a outra Maria, a Madalena, arrependida e que merecia o perdão. João vai embora e nunca mais vê aquela Maria. 
Aos trinta anos, João vive sozinho. Uma noite dessas qualquer, João, perambulando à toa na rua, avista um bordel daqueles de quinta categoria. Entra e vai se esgueirando, a esmo, em meio à fumaça e entre ébrios e meretrizes.  Fixa seus olhos em uma delas. Ela sozinha na mesa, ele de pé frente a ela. Ela, no fundo do poço. Ele, o homem maduro de agora. Olham-se. Ele ajoelha-se a seus pés e pergunta seu nome. E ela diz Maria. E ele pergunta se ela pode ficar com ele e ela pergunta por quanto tempo. Ele diz por toda a vida. Caem dos verdes olhos daquela Maria, as mais cristalinas lágrimas que jamais a mais pura das mulheres tivera. Ela levanta-se e ele põe o seu braço sobre os seus ombros. Saem e aquela Maria nunca mais ali volta.
Ainda aos trinta anos, não há convidados na igreja da Virgem Maria. Nem padrinhos. Maria, branca e radiante diz sim a João na capelinha, enquanto uma beata canta a Ave-Maria.
Hoje, passados tantos anos, João e a terceira Maria vivem fiéis e felizes. Com filhos, gatos, cachorros e passarinhos.
Resta dizer, pra encerrar a história, que todas as três Marias eram uma só mulher…
O perdão, na vida, pode e deve ser concedido.

quinta-feira, 8 de março de 2012

GLORIOSA DESPEDIDA...

Há uma história, até hoje reticente para muitos e realmente sabida por poucos, ocorrida na Zona Sul de Porto alegre pelos idos de 1980. Justamente, por lá estarmos bebendo e ouvindo uma bandinha de jazz, ela veio à tona contada por um amigo íntimo do Seu Goulart, o qual  preferiu ficar no anonimato.
O Seu Goulart, a saber, era mais conhecido como Gugu do Bicho e tinha uma fortuna talvez incalculável. Herdara do pai, há muitos anos, todos os negócios da banca do jogo de bicho e lá, naquela parte de Ipanema, Guarujá e Assunção, ele era o mandachuva do pedaço.  Só que ele diversificou inteligentemente e empreendeu em muitas empresas rentáveis, imóveis alugados às dezenas e ações no mercado para mais de metro. Começara ilegal, como muitos grandes por ai, e aos poucos se tornou um empresário cumpridor de suas obrigações com a sociedade e com o fisco.
Seu Goulart, apesar da fortuna, era um sujeito infeliz, retrancado e retraído. Infeliz no casamento há mais de trinta anos. Era corno manso e jamais, por medo, interpelou a mulher por seus deslizes. Aguentava quietinho e se resignava a ficar no escritório fazendo a sua contabilidade. Os gigolôs, a rapaziada nova, rodeavam a balzaquiana e tiravam dela o que podiam e ela ainda se achava a mulher, toda esticada a bisturi, a ninfeta da hora.
Mas um dia, pra quase final de novela, a vulgar desgraçada teve um derrame fatal e deixou o Seu Goulart livre pra poder também viver finalmente um pouco.
O Seu Goulart era regrado em excesso e conhecera na vida aquela só mulher. Não fumava, não bebia, não saía. Lia, lia e lia. De mais distrações, via novelas. Aos domingos lá estava na missa da sete e quando vinha a caixinha do padre, botava moedas das menores possíveis.
Mas, surgiu um imprevisto em sequencia na vida do velho viúvo. Sentira ele uma tontura qualquer, dessas que quando a gente se abaixa e depois se levanta, escurece a visão. Foi ao médico do postinho de saúde do bairro onde ficava sua mansão, pois particular não pagava. Mandaram com que fizesse uma série de exames pra tirar a limpo a zonzeira que tinha. O médico, depois de vistos, torceu a boca, arqueou a sobrancelha e mandou que fosse a outro doutor.
O outro olhou de um lado, olhou de outro, levantou o exame contra a luminária. Olhou de novo e conversou com outro médico e com mais outro ainda. O nosso sujeito estava sentado e sentado ficou. E ficou mais ainda quando o doutor lhe deu menos de um ano de vida. Depois dali não garantia e ainda falou que abrir não abria porque do jeito que estava não dava. Era uma coisa das graves e irremediáveis. Adiantou que nem remédio adiantava. Acharam até que devia fazer outros exames, mas pra ele aqueles feitos já tinham passado da conta. Foi embora de cabeça baixa olhando pro chão da calçada e, de proposito, pisando em cocô de cachorro.
Lá ficou ele dois dias, sentado na área da frente da imensa casa em Ipanema, numa hora olhando begônias e noutra hora, gerânios. Olhou, olhou, olhou até o escurecer do dia. Depois se levantou e botou a melhor fatiota e calçou o melhor sapato. Borrifou no pescoço o perfume há tanto anos fechado. Encomendou caixas e caixas de Veuve Clicquot e pra acompanhar mandou vir caviar e canapés de fino preparo. Acendeu todas as luzes da casa e até as do jardim que nunca tinham sido ligadas.
Em seguida, pegou o carro e saiu na noite adentro e entre as ruelas de Ipanema, entrou num puteiro, o mais bagaceiro possível que tinha na zona. Lá escolheu, entre as mulheres, umas dez que tinham cara de mais pobres e infelizes e não se importou com a aparência. Estranhamente, alegando querer segurança, anotara de cada uma delas, nome, endereço e todos os dados pessoais. Levou-as todas, pretas, mulatas e brancas, pra casa.
Não regateou preços desde que ficassem nuas na festa e que se esbaldassem bebendo e fazendo todas as orgias possíveis com ele e umas com as outras. Liberou pra quem quisesse trazer vibradores, chicotes e quaisquer artifícios que bem entendessem. Ainda avisou que daria um carro zero quilometro para aquela que demonstrasse ser a mais vadia e devassa de todas.
Ainda, antes da farra, no período da tarde, ligou para um amigo que tinha cartório. Para quê, não sabemos.
A festa correu solta e sem rédeas pela noite adentro. Nem Calígula pensaria na variedade que havia e nem qualquer mulher que ali estivesse tinha visto tanta coisa imoral. Ele, no centro de tudo, tomara duas dúzias de drágeas estimulantes e estava louco, insaciável. Babava e lambia o que via.  Penetrava do jeito que dava o que na frente estivesse e até certa hora foi penetrado. De oral a anal, fez tudo afinal. E mais champanhe abria pra dar banho na genitália. Enfiava morangos em quaisquer aberturas que encontrava e bebeu todas as doses que não tinha experimentado na vida.
Às oito horas da manhã, dormia ele, no gramado da casa, entrelaçado no meio de mais ou menos uma meia dúzia de criaturas, porém ao certo não se sabia de quem eram as pernas ou de quem eram os braços, de tão misturados que estavam. As restantes acompanhantes estavam atiradas em todos os lugares da casa, em meio às sobras etílicas. Algumas estavam empapadas de morango com chantili que mais pareciam taças de sobremesa.
A verdade tem que ser dita, elas cumpriram de forma excelente tudo aquilo que foi combinado.
Quando aos poucos foram se levantando, meio aéreas e abobadas, ainda peladas, foram juntas acordar o contratante festeiro. Mas, para surpresa daquelas meninas, ele não acordou, aliás, jamais acordaria. Morrera com a cara enfiada no meio das coxas de uma negrinha. Na mão direita, a garrafa, na mão esquerda, uma teta. A morte enfeitada com a glória do sexo e da sacanagem.
Foi um alvoroço daqueles e as moças, sem receber o dinheiro, foram à loucura. E lembraram que nem o carro novo foi dado e, coitadas, tantos esforços fizeram.
Ficou, por instantes, aquela penca de coitadas pervertidas fazendo um grande protesto nos jardins da frente da casa. É claro, já estavam vestidas e pisoteavam as begônias. Silenciaram subitamente quando perceberam que dois homens, com jeito de advogados, com pastinhas na mão, adentraram o portão. Ordenaram que elas entrassem pra casa e que os escutassem.
Leram em voz pausada o testamento do falecido que, depois de lido, fizera com que aquelas mulheres se transformassem, no outro dia, nas mais elegantes e ricas damas da sociedade local. Herdaram absolutamente tudo do Seu Goulart.
Por isto, provavelmente, que hoje em dia tem tanta dama com jeito de vadia. Como vamos saber, sinceramente, se alguma que conhecemos não fazia programa naquele dia?

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

GLORINHA, DEZ ANOS DEPOIS...

O Walmor, à época traído por um novo amor e com a cabeça zoando de tantas caipirinhas, lembrou-se convenientemente de uma bela historia. Diz o contador, passou-se em Porto Alegre em 78, lá pelos lados do Bonfim, um tradicional bairro judaico daquela cidade. Vamos a ela…
Valdir estava lá no altar da Igreja Santa Teresinha, vestido a rigor, esperando por ela. Noivas, sabia, demoram um monte de tempo a chegar e ele tinha a certeza de que Rachel mais ainda demoraria, pois era vaidosa em excesso e só sairia de casa se estivesse perfeita e irretocável. A noiva, além disso, era mimada demais e tendo nascido em berço esplêndido, era a herdeira sozinha de todo o patrimônio da sua família. Estava tendo ainda a virtude insensata de casar por amor e não, como a maioria destas herdeiras que por aí andam, que só unem os interesses. E mais ainda, traria dali a pouco para celebrar o casório um convidado muito especial alojado em seu ventre. Até, talvez por isto, diziam alguns, que a data foi meio que marcada às pressas porque a família da moça, religiosa em excesso, queria evitar comentários maldosos.
O noivo, como remédio calmante, passeava o olhar nos convivas e se sentia o mais admirado de todos, se bem que via que muitos olhos o viam como se fosse o esperto da hora. E não se tira a razão destes alguns, pois a respeito do rapaz só se sabia que era interiorano e muito trabalhador, aliás, isto já o tinha provado em sua promissora carreira na empresa do sogro.
Mas voltemos ao olhar do noivo sobre os presentes nos bancos da igreja. Pois lá jogava ele seus olhos de um lado para o outro como se fosse um radar. Assim, ora pousava sua atenção em um, ora pousava em outro e sempre distribuindo sorrisos. Até que neste passeio ocular seu radar soa em alerta vermelho.
No terceiro banco, bem no passeio do corredor, singela e quietinha, pairava Glorinha a olhar para o noivo com um ponto de interrogação em um olho e um de exclamação no outro, o que tornava difícil compreender a leitura do queria expressar. Soube-se depois que um queria dizer que aquela cerimônia era imoral e o outro estabelecia que além de imoral, era ilegal.
De fato, e com razão, Valdir era casado com aquela Glorinha ali de corpo presente há mais ou menos uma dezena de anos e comprovava-se o feito em cartório com direito a festa no salão da igreja de uma cidade do interior.
Já fazia uns dois anos e meio que Valdir, depois de formado, conseguira um emprego na capital, na tal empresa do sogro e onde teve ascensão acelerada pelo namoro com a Rachel. Glorinha ficara no interior com os dois bebês gêmeos a esperar que o marido juntasse condições para a mudança, aliás, a qual foi sempre procrastinada. Pra compensar, Valdir visitava a família dois fins de semana por mês e, verdade seja dita, jamais deixou que faltassem quaisquer coisas em casa, a não ser, é claro, a sua presença constante. Mas, mesmo assim, luxos não havia e Glorinha morava em casa alugada, o que tipicamente nos diz que a mulher não tinha nada de bens materiais. E, a essas alturas da história, como bem podem ver, já é condenável a atitude deste sujeito chamado Valdir. Convenhamos, desconsiderando o romantismo que possa haver neste caso, que um cara que banca o solteiro pra casar com mulher rica, tem mais é que ser desmascarado, não acha?
Mas deixemos de ponderar e voltemos à cerimônia presente que, por agora, é o prato principal do cardápio.
Pois bem, lá estava um medroso Valdir com o coração descompassado e com o raciocínio desconsertado, coisas naturais presentes em um homem quando pressente que a mulher vai fazer uma loucura sem precedentes. E ele estava refém das circunstâncias, nada podia fazer a não ser esperar o pior, talvez um escândalo que arrepiasse até a santa do altar.
No entanto, Glorinha, após um primeiro instante de hesitação, permaneceu impávida e fria, podia-se dizer até mesmo completamente insensível como se estivesse tomando um prato de sopa na cozinha de casa. Para o desespero do camarada, tirou ela de sua bolsinha de lantejoula, surpreendentemente, um branco lencinho, acenando-o para o Valdir.
O tipo de reação encontrada em Glorinha, dizem os estudiosos, provam o quanto são as mulheres cruéis com os homens. Estratégias assim diabólicas são exclusivamente femininas e tem a capacidade de liquidar com um homem em segundos. E Valdir estava certamente morto e não sabia.
Os capuchinhos tocam a Marcha Nupcial e Rachel, com seu esplendor e uma cauda de cinco metros, invade o templo. Seu sorriso brilhante traduz a esperança de um casamento feliz e duradouro. Que somente a morte os separe…
Antes que o padre permitisse o beijo, Glorinha, mansamente, sai da igreja pela porta da frente. Como boa católica, se vira e faz o sinal da cruz em respeito.
Hoje, passado alguns anos do fato, ninguém mais reconhece aquela Glorinha que vivia entre o tanque e o fogão, lavando fraldas e fazendo papinhas. Glorinha atualmente mora numa cobertura da Nilo Peçanha e tem motorista particular. Vai pra Europa anualmente levar as crianças a esquiar e vestidos só compra em Milão. Glorinha está renovada dez anos graças ao Pitangui.
Optou ela pelo sagrado silêncio dos inocentes, uma falsidade peculiar e interessante inventada certamente por uma mulher. Preferiu ela, em jogada de gênio, em ser a amante daquele Valdir esperto e endinheirado. Mas que fique bem claro, para o final desta história, que ela só recebe o amante com hora marcada e a seu critério o lugar. Não é sempre, esclareça-se, que ela tem tempo para atendê-lo.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

ADÔNIS E A FEIA...

Esta história dramática, e talvez inveridíca, foi narrada de um jeito sério pelo Guimarães, um psiquiatra aposentado que ocasionalmente aparecia no nostálgico Bar Pampulhinha, que ficava ali na República com a João Pessoa. Então, aí está transcrita tal qual foi contada.
Coitada, era feia demais. E ainda gordinha e de óculos de garrafão A sociedade, infelizmente, discrimina estes fatos. E as pessoas não privilegiadas com o belo, todos sabem, sofrem com isto. Algumas pessoas, com o tempo conseguem burlar a feiura e melhoram a imagem, seja com artifícios ou com o bisturi. Ela não, pois condição não tinha pra estas finesses.
Desde pequena pagava tributos à sua aparência. Desde apelidos que a rebaixavam ao segundo time de gente, até as piores piadas dos colegas sem classe da classe. Pior é que havia momentos em que até as professoras tinham que rir da coitada, tamanho a variedade de cacoetes que tinha.
Cresceu assim em meio aos bullyings e aos recalques, sem jamais revidar, sem jamais responder. Suportava calada. Mas ela sabe o quanto insistiu, ela recorda o quanto tentava, sem se fazer notar, entrar nas brincadeiras de grupo. Ela tem na memória como foi excluída de tudo. Pra se infiltrar, aliás, como é habito entre as feias e as gordinhas, tinha que tentar ser amiga da mais bonitinha da turma e assim pegar carona na sua beleza. Era o jeito de, pelo menos, estar conectada com o mundo, mas era assim como agora, sua conexão caía a todo o momento.
Assim foi também no ensino médio no Julinho e assim foi igualmente na PUC. Nestas alturas da vida nem insistia, nem tentava. Isolou-se…
Restava-lhe a silenciosa inveja de ver casais namorando.
Formou-se em contábeis e montou um pequeno escritório na Lima e Silva, uma ruazinha bucólica em Porto Alegre. Trabalhava muito, mas sozinha por preferência e sozinha também morava. De mãe falecida, seu pai vivia mais pro interior do Estado.
Era uma avessa, sem amizades e sem relacionamentos, principalmente no amor. Nunca conhecera um homem entre quatro paredes. Quer dizer, até aqueles dias…
Ocorria a inauguração de uma loja de confecções perto de seu escritório, bem no trajeto que fazia, quando voltava pra casa. Havia uma festa e um desfile de modas e as pessoas festejavam alegremente o evento.
Ela, evidentemente, não entrou. Permaneceu na calçada, mas esgueirou-se pela frente da vitrina até arranjar um cantinho que tivesse visão. E aí em um flash de segundos tudo mudou na sua vida.
Ela sentiu o olhar dele fixo no seu, tão fixo e tão direto que ela arrepiou até os fios da sua intimidade intocada. Ficou arrebatada. De dentro da loja ele lhe descobriu fora. Um rosto de macho angelical, um verdadeiro Deus do Olimpo adornado pelos olhos verdes mais lindos que ela já vira. Cabelos revoltos e negros. Ele ali, não era um sonho, parecendo dizer: vem, vem…
Mas ela só consegue dizer, através do vidro, gesticulando com a mão, que depois ela volta. Sai ela correndo pela calçada com rumo à sua casa.
Atira-se no sofá e, incrédula, começa a pensar sobre o encanto daquele momento.
Depois do devaneio, chega a conclusão que precisava finalmente romper com aquele passado. Precisava enfrentar de uma vez por todas o que a vida lhe oferecia. Talvez fosse a última oportunidade
Na manhã seguinte não vai trabalhar. Muito há por fazer e sente que o resto de sua vida será decidido. Sem hesitar, compra um vestido de noiva, mais grinalda e um buquê de flores de campo.
Aí, no supremo sacrifício à timidez, lá está ela no interior da loja em que os olhares aconteceram. Nada se sabe, até agora, das conversas que ela lá teve.
Mas o que se sabe sim, com certeza, é que naquela noite ela estava vestida de noiva de véu e grinalda na cama. Linda, doce e lasciva. Com ela estava Adônis, o deus grego da vitrina.   Vestidos a rigor no principio e depois como a natureza lhes pusera no mundo.
Foi uma noite inesquecível de amor. Ele, lânguido, mostrou-se completamente submisso às suas vontades e aceitava todos os amores que ela, enlouquecida, lhe oferecia.
E assim se passaram os dias. E ela, desde o primeiro, não fora mais trabalhar em nenhum outro dia. Ficara fechada em casa com o amante numa lua de mel sem fim. Literalmente louca de amor, exauriu-se ao extremo e morrera fazendo amor. Entregara toda a sua vida ao desejo reprimido em seu coração e num último orgasmo dera o suspiro final.
Na loja onde ela estivera, o dono surpreende-se quando a gerente lhe conta uma novidade. Uma cliente gordinha, muito estranha, comprara por um dinheiro acima da conta, com roupa e tudo, um dos manequins masculinos que enfeitavam a vitrina…
Felizes são os insanos que acreditam no amor.