domingo, 12 de fevereiro de 2012

ADÔNIS E A FEIA...

Esta história dramática, e talvez inveridíca, foi narrada de um jeito sério pelo Guimarães, um psiquiatra aposentado que ocasionalmente aparecia no nostálgico Bar Pampulhinha, que ficava ali na República com a João Pessoa. Então, aí está transcrita tal qual foi contada.
Coitada, era feia demais. E ainda gordinha e de óculos de garrafão A sociedade, infelizmente, discrimina estes fatos. E as pessoas não privilegiadas com o belo, todos sabem, sofrem com isto. Algumas pessoas, com o tempo conseguem burlar a feiura e melhoram a imagem, seja com artifícios ou com o bisturi. Ela não, pois condição não tinha pra estas finesses.
Desde pequena pagava tributos à sua aparência. Desde apelidos que a rebaixavam ao segundo time de gente, até as piores piadas dos colegas sem classe da classe. Pior é que havia momentos em que até as professoras tinham que rir da coitada, tamanho a variedade de cacoetes que tinha.
Cresceu assim em meio aos bullyings e aos recalques, sem jamais revidar, sem jamais responder. Suportava calada. Mas ela sabe o quanto insistiu, ela recorda o quanto tentava, sem se fazer notar, entrar nas brincadeiras de grupo. Ela tem na memória como foi excluída de tudo. Pra se infiltrar, aliás, como é habito entre as feias e as gordinhas, tinha que tentar ser amiga da mais bonitinha da turma e assim pegar carona na sua beleza. Era o jeito de, pelo menos, estar conectada com o mundo, mas era assim como agora, sua conexão caía a todo o momento.
Assim foi também no ensino médio no Julinho e assim foi igualmente na PUC. Nestas alturas da vida nem insistia, nem tentava. Isolou-se…
Restava-lhe a silenciosa inveja de ver casais namorando.
Formou-se em contábeis e montou um pequeno escritório na Lima e Silva, uma ruazinha bucólica em Porto Alegre. Trabalhava muito, mas sozinha por preferência e sozinha também morava. De mãe falecida, seu pai vivia mais pro interior do Estado.
Era uma avessa, sem amizades e sem relacionamentos, principalmente no amor. Nunca conhecera um homem entre quatro paredes. Quer dizer, até aqueles dias…
Ocorria a inauguração de uma loja de confecções perto de seu escritório, bem no trajeto que fazia, quando voltava pra casa. Havia uma festa e um desfile de modas e as pessoas festejavam alegremente o evento.
Ela, evidentemente, não entrou. Permaneceu na calçada, mas esgueirou-se pela frente da vitrina até arranjar um cantinho que tivesse visão. E aí em um flash de segundos tudo mudou na sua vida.
Ela sentiu o olhar dele fixo no seu, tão fixo e tão direto que ela arrepiou até os fios da sua intimidade intocada. Ficou arrebatada. De dentro da loja ele lhe descobriu fora. Um rosto de macho angelical, um verdadeiro Deus do Olimpo adornado pelos olhos verdes mais lindos que ela já vira. Cabelos revoltos e negros. Ele ali, não era um sonho, parecendo dizer: vem, vem…
Mas ela só consegue dizer, através do vidro, gesticulando com a mão, que depois ela volta. Sai ela correndo pela calçada com rumo à sua casa.
Atira-se no sofá e, incrédula, começa a pensar sobre o encanto daquele momento.
Depois do devaneio, chega a conclusão que precisava finalmente romper com aquele passado. Precisava enfrentar de uma vez por todas o que a vida lhe oferecia. Talvez fosse a última oportunidade
Na manhã seguinte não vai trabalhar. Muito há por fazer e sente que o resto de sua vida será decidido. Sem hesitar, compra um vestido de noiva, mais grinalda e um buquê de flores de campo.
Aí, no supremo sacrifício à timidez, lá está ela no interior da loja em que os olhares aconteceram. Nada se sabe, até agora, das conversas que ela lá teve.
Mas o que se sabe sim, com certeza, é que naquela noite ela estava vestida de noiva de véu e grinalda na cama. Linda, doce e lasciva. Com ela estava Adônis, o deus grego da vitrina.   Vestidos a rigor no principio e depois como a natureza lhes pusera no mundo.
Foi uma noite inesquecível de amor. Ele, lânguido, mostrou-se completamente submisso às suas vontades e aceitava todos os amores que ela, enlouquecida, lhe oferecia.
E assim se passaram os dias. E ela, desde o primeiro, não fora mais trabalhar em nenhum outro dia. Ficara fechada em casa com o amante numa lua de mel sem fim. Literalmente louca de amor, exauriu-se ao extremo e morrera fazendo amor. Entregara toda a sua vida ao desejo reprimido em seu coração e num último orgasmo dera o suspiro final.
Na loja onde ela estivera, o dono surpreende-se quando a gerente lhe conta uma novidade. Uma cliente gordinha, muito estranha, comprara por um dinheiro acima da conta, com roupa e tudo, um dos manequins masculinos que enfeitavam a vitrina…
Felizes são os insanos que acreditam no amor.

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