O Walmor, à época traído por um novo amor e com a cabeça zoando de tantas caipirinhas, lembrou-se convenientemente de uma bela historia. Diz o contador, passou-se em Porto Alegre em 78, lá pelos lados do Bonfim, um tradicional bairro judaico daquela cidade. Vamos a ela…
Valdir estava lá no altar da Igreja Santa Teresinha, vestido a rigor, esperando por ela. Noivas, sabia, demoram um monte de tempo a chegar e ele tinha a certeza de que Rachel mais ainda demoraria, pois era vaidosa em excesso e só sairia de casa se estivesse perfeita e irretocável. A noiva, além disso, era mimada demais e tendo nascido em berço esplêndido, era a herdeira sozinha de todo o patrimônio da sua família. Estava tendo ainda a virtude insensata de casar por amor e não, como a maioria destas herdeiras que por aí andam, que só unem os interesses. E mais ainda, traria dali a pouco para celebrar o casório um convidado muito especial alojado em seu ventre. Até, talvez por isto, diziam alguns, que a data foi meio que marcada às pressas porque a família da moça, religiosa em excesso, queria evitar comentários maldosos.
O noivo, como remédio calmante, passeava o olhar nos convivas e se sentia o mais admirado de todos, se bem que via que muitos olhos o viam como se fosse o esperto da hora. E não se tira a razão destes alguns, pois a respeito do rapaz só se sabia que era interiorano e muito trabalhador, aliás, isto já o tinha provado em sua promissora carreira na empresa do sogro.
Mas voltemos ao olhar do noivo sobre os presentes nos bancos da igreja. Pois lá jogava ele seus olhos de um lado para o outro como se fosse um radar. Assim, ora pousava sua atenção em um, ora pousava em outro e sempre distribuindo sorrisos. Até que neste passeio ocular seu radar soa em alerta vermelho.
No terceiro banco, bem no passeio do corredor, singela e quietinha, pairava Glorinha a olhar para o noivo com um ponto de interrogação em um olho e um de exclamação no outro, o que tornava difícil compreender a leitura do queria expressar. Soube-se depois que um queria dizer que aquela cerimônia era imoral e o outro estabelecia que além de imoral, era ilegal.
De fato, e com razão, Valdir era casado com aquela Glorinha ali de corpo presente há mais ou menos uma dezena de anos e comprovava-se o feito em cartório com direito a festa no salão da igreja de uma cidade do interior.
Já fazia uns dois anos e meio que Valdir, depois de formado, conseguira um emprego na capital, na tal empresa do sogro e onde teve ascensão acelerada pelo namoro com a Rachel. Glorinha ficara no interior com os dois bebês gêmeos a esperar que o marido juntasse condições para a mudança, aliás, a qual foi sempre procrastinada. Pra compensar, Valdir visitava a família dois fins de semana por mês e, verdade seja dita, jamais deixou que faltassem quaisquer coisas em casa, a não ser, é claro, a sua presença constante. Mas, mesmo assim, luxos não havia e Glorinha morava em casa alugada, o que tipicamente nos diz que a mulher não tinha nada de bens materiais. E, a essas alturas da história, como bem podem ver, já é condenável a atitude deste sujeito chamado Valdir. Convenhamos, desconsiderando o romantismo que possa haver neste caso, que um cara que banca o solteiro pra casar com mulher rica, tem mais é que ser desmascarado, não acha?
Mas deixemos de ponderar e voltemos à cerimônia presente que, por agora, é o prato principal do cardápio.
Pois bem, lá estava um medroso Valdir com o coração descompassado e com o raciocínio desconsertado, coisas naturais presentes em um homem quando pressente que a mulher vai fazer uma loucura sem precedentes. E ele estava refém das circunstâncias, nada podia fazer a não ser esperar o pior, talvez um escândalo que arrepiasse até a santa do altar.
No entanto, Glorinha, após um primeiro instante de hesitação, permaneceu impávida e fria, podia-se dizer até mesmo completamente insensível como se estivesse tomando um prato de sopa na cozinha de casa. Para o desespero do camarada, tirou ela de sua bolsinha de lantejoula, surpreendentemente, um branco lencinho, acenando-o para o Valdir.
O tipo de reação encontrada em Glorinha, dizem os estudiosos, provam o quanto são as mulheres cruéis com os homens. Estratégias assim diabólicas são exclusivamente femininas e tem a capacidade de liquidar com um homem em segundos. E Valdir estava certamente morto e não sabia.
Os capuchinhos tocam a Marcha Nupcial e Rachel, com seu esplendor e uma cauda de cinco metros, invade o templo. Seu sorriso brilhante traduz a esperança de um casamento feliz e duradouro. Que somente a morte os separe…
Antes que o padre permitisse o beijo, Glorinha, mansamente, sai da igreja pela porta da frente. Como boa católica, se vira e faz o sinal da cruz em respeito.
Hoje, passado alguns anos do fato, ninguém mais reconhece aquela Glorinha que vivia entre o tanque e o fogão, lavando fraldas e fazendo papinhas. Glorinha atualmente mora numa cobertura da Nilo Peçanha e tem motorista particular. Vai pra Europa anualmente levar as crianças a esquiar e vestidos só compra em Milão. Glorinha está renovada dez anos graças ao Pitangui.
Optou ela pelo sagrado silêncio dos inocentes, uma falsidade peculiar e interessante inventada certamente por uma mulher. Preferiu ela, em jogada de gênio, em ser a amante daquele Valdir esperto e endinheirado. Mas que fique bem claro, para o final desta história, que ela só recebe o amante com hora marcada e a seu critério o lugar. Não é sempre, esclareça-se, que ela tem tempo para atendê-lo.