Naquela noite, no Cabaninha, após termos ido ao velório de um grande amigo, não poderíamos deixar de discutir a singular história de vida que teve o finado. O Tavares, grande amante das mesas daquele bar da Volta do Guerino, merecia ter uma retrospectiva honrosa para que fosse pra sempre lembrado. O garçom, pra não atrapalhar, já nem perguntava e ia repondo as redondas.
O Tavares era um sujeito que a vida privilegiou e, com louvor, merecia este posto, pois, desde rapazinho, andou sempre por linhas retas. Trabalhava, por pura necessidade, desde que se conheceu como gente e, por isto, por falta de tempo, para o estudo foi um pouco relapso. Casou aos quarenta e poucos anos e queria, assim como os pais, ter uma numerosa família. E a Regina por quatro vezes trouxe lindas crianças pra casa.
Tavares, com um tino comercial muito forte, acabou por ser bem sucedido e amealhou, com muito suor, ter uma boa quantidade de lojas de roupas na zona norte de Porto Alegre. Dividia com a Regina, sua fiel parceira na luta, o comando dos negócios, sendo que ele cuidava da parte comercial e ela da financeira, ou, de um jeito mais claro, ele de barriga no balcão e ela de cabeça nos números. E assim se entendiam maravilhosamente e já andavam, aí pelos anos 90, com quinze lojinhas abotoadas nos seus vinte anos de casamento.
Tudo corria bem no reino do Tavares até o dia em que apareceu uma candidata pedindo um emprego pra ele. A garota, com dezoito anos feitinhos, mas com cara de muito menos, trajava um vestidinho tão colado e curtinho que só Deus sabe como ela conseguira entrar nele. E pediu uma vaga na empresa assim como quem pede um pirulito pro tio, bem bobinha e faceira. Tavares arqueou as sobrancelhas e perguntou o que ela sabia fazer. Ela, ali de pé na sua frente, com as lindas pernas encostadas no tampo da mesa, respondeu displicentemente que fazia de tudo um pouquinho. Pra ela o Tavares não disse, mas só de olhar, a admissão já estava aprovada, aliás, sem hipocrisia, como é comum em qualquer recrutamento de empresa. No entanto, ele precisava valorizar o momento, e mandou com que a Carolina sentasse.
A pretensa entrevista, depois que a Carolina sentou, até poderia ser dispensada, pois a menina deu uma cruzada de pernas que nem mesmo a Sharon Stone tinha capacidade de dar. Porém o Tavares, para cumprir o expediente, entregou-lhe uma prancheta e uma ficha para preencher e, é claro, ficou ali olhando feito um cachorro que vê carne em vitrine de açougue. Enquanto aquela promissora empregada escrevia, o Tavares viajava na maionese…
É bom que se diga, antes de qualquer comentário maldoso, que o Tavares nunca foi um sujeito de andar por ai de sacanagens com outras mulheres. Primeiro por ser um cara fiel e segundo por não ter uma aparência que chamasse a atenção do sexo oposto. Ë interessante dizer, até para não idolatrar os caras fiéis, que muitos homens o são pela simples ausência da chance e, de fato, a teoria tem procedência, pois o intocável Tavares pressentiu que ali, frente a frente àquela inocente serpente, a sua hora chegou.
O Tavares, do alto de sua importância, comunicou, após “ler” a fichinha, que a Carolina tinha sido aprovada. E disse mais ainda, que se ela fosse uma funcionária aplicada, teria um grande futuro na empresa. Carolina, em resposta àquela promessa velada, disse que o Tavares não se arrependeria e emocionada falou que o Tavares “estava sendo o paizinho que ela não teve”.
Bom, meu amigo, aí, depois de ouvir algo assim tão sublime, dito por um pitéuzinho daqueles, é de se perguntar se existiria algum homem na terra que resistisse ao desejo de adotar aquela menina.
Porém, aquela admissão da Carolzinha deflagrou uma gigantesca guerra entre o casal. Primeiro, porque o Tavares se meteu nos “Recursos Humanos” que era coisa que a Regina cuidava e, segundo, porque a candidata, na opinião da Regina, não possuía o perfil, nem moral e nem profissional, para trabalhar na empresa. Com a crise instaurada, ela exigiu que o próprio Tavares rescindisse sumariamente o contrato da moça, tipo assim “quem errou que arrume”.
No entanto, para o espanto geral dos funcionários habituados com o poder da Regina, o Tavares, já tomado pelo demônio, não abriu mão daquilo que fez e disse com todas as letras que a Carolzinha ficava e ponto final. Ferida mortalmente no seu orgulho de sócia e esposa, Regina, intempestivamente, sem medir conseqüências, decretou um clássico “ou eu ou ela”, o que deixou o Tavares perplexo. Era um momento por demais simbólico, algo como D. Pedro às margens do Ipiranga, em que um homem se vê obrigado a decidir entre fazer o que sempre fazia ou fazer o que nunca fez. Em fração de segundos, Tavares pensou até na expectativa de vida dos brasileiros, em média de 72 anos, e calculou rapidamente que ele tinha de vida, menos de dez. E isto, ironicamente, foi o fator determinante para que o Tavares virasse o jogo do avesso, pois, sem titubeios, bateu o martelo na frente de todos decidindo que a Carolzinha ficava.
A partir daí todo o contexto virou um verdadeiro “whisk and bowl” envolvendo justiça e advogados e tudo o mais o que se imagina na divisão litigiosa de um patrimônio.
Intervalo para Utilidade Pública:
Esta separação do Tavares e da Regina evidencia um fato, às vezes, despercebido pela maioria, o qual seja o de que muitos casais, casados há muito tempo, estão somente esperando um grave motivo para mandar o casamento pros quintos do inferno, mas, estrategicamente, há que ser algo bem relevante, pois, hipocritamente, a decisão deve partir de ambos e num “racha” que não tenha retorno. Quando a oportunidade aparece, os dois, marido e mulher tornam-se ironicamente cúmplices da própria separação, num plano que estava há tempos escamoteado por ambos.
Então, se você já está cheio desta vida em parceria e não agüenta mais a sua cara-metade, é muito, mas muito mesmo provável que sua mulher também te queira ver pelas costas.
Como diz o velho Tim Maia, “me dê motivo pra ir embora…”
Bom, desconsiderando os embates jurídicos por demais conhecidos, o importante é registrar que tudo acabou entre eles e que a Regina ficou com metade de tudo, inclusive, é claro, metade da quantidade de lojas. No resumo, ela com as lojas dela e o Tavares com as lojas dele. Então, fim de conversa e passemos ao principal.
O Tavares, livre e desimpedido, sabia que a Carolzinha estava predestinada pra ele e, além do mais, era óbvio que ela estava querendo ter uma vida mais confortável. Ele, que nada tinha de otário, consciente das intenções descaradas da Carolzinha, queria mais era aproveitar o prazer que ora surgia pelo tempo que desse. E, é claro, sabia que havia muitas diferenças entre eles, notadamente a de idades, mas até isso, no mundo de hoje, a ciência ameniza. Arquitetou ele um plano geral, antes de se lançar à aventura, envolvendo dieta alimentar, aulas de academia, corridas noturnas e sessões de ioga. Para ajudar, passou a tomar Viagra e e a injetar botox.
Na empresa, a menina estagiava nas vendas, sob a tutela profissional do Tavares que a cuidava como quem cuida de uma delicada plantinha. E ela, quando o via, se derretia como se fosse manteiga e mostrava, sem vergonha nenhuma, que estava ali que nem bola na marca do pênalti, pronta para ser batida.
Verdade seja dita, a Carolzinha, que parecia ser avoada, demonstrou ser competente em suas ações. Além de assumir publicamente o romance, mereceu, dois anos depois, ser promovida como sócia na empresa, exigência essa feita ao Tavares que a aceitou prontamente. O Tavares, contrário a ouvir os conselhos dos filhos e amigos, estava enfeitiçado pela Carol. Até, muitas vezes, tinha lampejos da realidade, mas os mesmos desapareciam na cama, pois a menina fazia gato e sapato entre os lençóis e aí, não há homem, naquela fase, que resista ao apelo do sexo.
Carolzinha oferecia com toda a paciência, por noites inteiras, um repertório que ruborizava até aqueles do Kama Sutra. E o Tavares, sabedor de que quanto maior a oferta maior a graça e preocupado com o futuro da moça, oficializou, em cerimônia discreta, o casamento em cartório.
Um ano e meio depois, lá, naquela tarde de inverno no campo sagrado, numa cena burlesca, foi até comovente ver a Carolzinha, de véu e vestido preto, jogar uma rosa enquanto o caixão do Tavares descia. Uma singela gotinha de lágrima fazia o mesmo trajeto no doce olhar da elegante viúva.
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